Por Gisele Porto Barros
Antes de posicionar-me sobre o assunto, vejo importante estabelecer distinção entre os termos liberação e legalização das drogas. A liberação pressupõe o uso livre, bem como liberdade de circulação , produção, cultivo, etc. Entendo dar-se azo ao consumo desenfreado e até, ouso dizer, irresponsável. Diferente é a legalização, a qual pressupõe regulamentação da produção (grau de pureza, por exemplo), da distribuição (locais de venda e consumo) e do consumo (quantidade e faixa etária). Assim, entendo que a legalização, talvez, possa ser cabível no Brasil (como, a bem ver, propõe a comissão de estudos do novo CP); a liberação, porém, de modo algum traria melhorias ao cenário brasileiro.
Feito esse registro, aduzo haver fortes e embasados posicionamentos contrários e favoráveis à legalização das drogas (ou de alguma delas). Apontarei parte deles e, ao final, posicionarei-me sobre o tema.
Aqueles que são favoráveis à medida, em suma, defendem o seguinte:
. a legalização permitiria regular o mercado, estabelecendo preços menores, diminuindo, assim, a força dos cartéis de narcotráfico e crimes patrimoniais muitas vezes cometidos por viciados para sustentar o vício. Também haveria substancial diminuição do número de prisões.
. a legalização trará a conscientização que o uso da droga é questão social e não questão de justiça criminal.
. a legalização propiciaria,aios informação ao usuário para ajudá-los a tomar decisões sobre o consumo ou não e sobre como fazê-lo. Por exemplo, sobre causar a maconha menos dependência que o tabaco ou o álcool.
. com mais instrução, menor seria o número de contaminação por agulhas e infecção por HIV.
. a experiência de Portugal (que descriminalizou a posse de droga para uso próprio desde 2001) mostra que, atualmente (dados fornecidos pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência), o país tem a segunda menor taxa de mortalidade decorrente do consumo de entorpecentes entre as nações europeias.
. por fim, sob análise mais teórica, a legalização atenderia aos princípios da intervenção mínima (ultima ratio) e da alteridade (alter = outro).
Os contrários à medida apontam, em resumo, o seguinte:
. o narcotráfico não iria diminuir, certo qu e os traficantes se adaptariam à nova realidade, comercializando seus produtos em mercado paralelo, o que fomentaria contrabando e descaminho, como, aliás, ocorre com o cigarro. Na tentativa de recuperar eventual clientela ou lucro perdido, eles se enveredariam por novas formas de criminalidade.
. a lei 6.368/1976 considerava o uso de drogas figura típica apenada com privação da liberdade; a lei 11.343/2006 trouxe inovação ao tratar o usuário como alguém que, ao invés de ser privado de sua liberdade, necessita tratamento. Contudo, na prática, o Estado não propiciou ao usuário medidas terapêuticas já previstas nessa nova lei. A legalização, portanto, não representará mudanças para os Vb dependentes, que continuarão sem atendimento próprio. É que se olha para a questão como se de justiça criminal se tratasse e, não, como questão de política de saúde pública.
. o consumo da maconha causa malefícios à saúde superior ao tabaco, máxime entre pessoas adolescentes (podem desenvolver quadros de esquizofrenia).
. não se verifica a apontada ofensa aos supraditos princípios penais, posto que o consumo de droga não afeta apenas o usuário. Dados da Unifesp apontam que, para cada dependente, no âmbito familiar existem mais quatro pessoas afetadas. É, pois, questão de saúde pública a justificar a incidência do direito penal.
. pesquisa feita pelo Centro de monitoramento europeu para drogas e drogadição (European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction - EMCDDA) aponta que o tráfico aumentou nos países que, na última década, legalizaram o uso de drogas.
. por derradeiro, é presente ter-se em mente que o consumo de drogas é que sustenta o tráfico; sem um o outro esmorece. É a necessidade, a procura por drogas que propicia a mercantilização correspondente. Países como Japão e Suécia mantiveram significativo controle sobre as drogas e tiveram sucesso.
Feitas essas considerações, posiciono-me, ao menos por ora, contrária à legalização das drogas, do uso de qualquer delas, mesmo as tidas como mais leves.
Porém, aduzo que, acima de predominarem os pontos positivos ou os negativos sobre o tema, se deve atentar para a real causa do problema. É dizer, mais que se preocupar em como regular ou não o uso, se deve buscar meios de inibi-lo.
O verdadeiro problema que leva ao uso de drogas e ao vício próprio, ao consumo desenfreado, é a necessidade de fuga dos problemas atuais. A realidade é opressora! A droga, por outro lado, ao menos inicialmente, proporciona prazer. São realidades como a miséria, a violência, o abandono e a dor que, na maioria das vezes, leva o indivíduo às drogas. Daí que, antes de nos preocuparmos com políticas de tratamento aos toxicômanos, deveríamos nos ater com melhorias na educação, em saneamento básico, na alimentação e na saúde para evitar fossem essas pessoas buscar refúgio nos tóxicos.
Também é interessante deixarmos claro, principalmente para nossos adolescentes, que a droga, nas primeiras vezes em que consumida, é sim gostosa. Mas temos que apontar as consequências malignas que seu consumo continuado traz à saúde.
Em suma, a Lei 11.343/2006 e a 9.099/1995 trazem mecanismos que possibilitam, desde já e sem necessidade de inovação legislativa, atendimento terapêutico ao usuário de drogas. Basta que sejam mais utilizados. Acredito que uma ação multidisciplinar, conjunta entre profissionais das áreas de direito e saúde alcançaria êxitos maiores que a pretendida legalização.
Palestra Dra. Gisele Porto Barros, sobre a liberalização das drogas, durante a Jornada Psicojurídica que aconteceu 22 de outubro de 2015.